A oração esquizofrénica

UMA HISTÓRIA DA DÚVIDA

Durante anos fui desinquietado pelo dilema da autoria. Da minha autoria. Da minha vocação para um discurso musical individual e assertivo. Pelo dilema da necessidade da inscrição incisiva do meu discurso musical na polifonia universal das autorias.
Não foi cedo que me apercebi do quanto o meu pensamento fora moldado pelo convívio criativo com terceiros, sendo os terceiros o outro, o coreógrafo, o encenador, o artista visual, o performer.
O confronto entre os resultados de diferentes colaborações trazia a constatação do contraste de registos, tão diferentes entre si quão diferentes as pessoas com quem colaborara.
Por vezes, mesmo dentro da própria estrutura interna de uma peça eu me desmultiplicava em diferentes idiomas, na voragem da dramaturgia, na incoerência da autoria...
E o renitente dilema lá sobrevinha.

Mas fui valorizando sempre o acto de criar - e a criação conjunta - pelo que me trazia de intensidade vivencial e de energia motórica. É uma retribuição generosa, a que o quotidiano opera sobre o esforço colectivo de criação de um objecto performático. E somos bastantes, contados entre coreógrafos e/ou encenadores, figurinistas, cenógrafos, performers, técnicos variados... Todos dependentes duma complexa cartografia de cumplicidades.
Dei por mim com uma história de vinte anos desta vida, passando de um projecto para outro, e deixando cada novo ciclo definir os contornos de um novo paradigma criativo, de uma nova geografia espiritual. Por vezes desmultiplicada em criações simultâneas.

Ainda hoje não sei a que secção pertenço individualmente no planeta da música, se o critério for de avaliação tipológica.
Reconheço contudo uma identidade expressiva. Muito minha!
Chamemos-lhe autoria!

Procuro com recorrência uma dimensão musical em que se intua a dramaturgia criada pela articulação (por vezes colérica, por vezes cordata) de diferentes realidades sonoras/estéticas.

Procuro que o diálogo entre diferentes tipologias resulte na amplificação dos recursos tradicionais para a criação de contrastes, esse dispositivo fundador da composição.

Procuro perceber o que em cada realidade sonora (independentemente da sua natureza) se constitui como metabolismo e de que forma este dialoga com o metabolismo da acção performativa.

Procuro pensar com clareza.

E por fim procuro tudo o que realmente não sei explicar, que me chega de não sei onde...

Eis-me no Brasil!